A Comissão de Educação (CE) promoveu nesta segunda-feira (26) a primeira de dez audiências públicas sobre o projeto do Executivo (PL 2.614/2024) que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE). Na avaliação dos participantes, a proposta avança por apresentar uma visão sistêmica do planejamento educacional e da intersetorialidade entre as políticas públicas, além de garantir o fortalecimento da pactuação federativa para o cumprimento dos 18 objetivos e das 58 metas previstas do projeto. O debate foi conduzido pelo presidente da comissão e requerente da audiência pública, senador Flávio Arns (PSB-PR).
O diretor de Programas da Secretaria de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (Sase/MEC), Armando Amorim Simões, destacou que o projeto — que está em análise na Câmara — já traz avanços por ter sido criado a partir dos debates com a sociedade civil, levando em consideração as avaliações e monitoramento do atual plano. O texto traz contribuições apresentadas pelo grupo de trabalho do ministério e contou com participações de representantes do Congresso Nacional, estados, municípios e conselhos de educação. A proposta inclui ainda sugestões da Conferência Nacional de Educação, realizada em janeiro deste ano.
Entre as novidades, Simões citou que o novo plano buscou reorganizar os conceitos de diretrizes, objetivos, estratégias e metas que, segundo avaliação dele, estavam confusas no plano vigente.
Em relação às diretrizes, ele abordou a visão sistêmica do planejamento da política educacional e a sua relação com outras áreas do desenvolvimento local, regional e nacional. O diretor falou ainda sobre a perspectiva da intersetorialidade entre as políticas públicas, além do fortalecimento da instância de pactuação entre os entes federativos e o mecanismo financeiro permanente para governança do plano.
— Esse é um reconhecimento de que o desenvolvimento da educação não só afeta as outras áreas do desenvolvimento, mas também é afetado pelo que ocorre em outras áreas da política pública. Basta dizer que os índices de pobreza do país desafiam localmente o progresso da educação em vários contextos. As questões relacionadas à saúde, por exemplo, são impactadas pela educação — disse.
O projeto do novo PNE, em tramitação na Câmara dos Deputados, traz 10 diretrizes, 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias a serem cumpridos até 2034 nas áreas de educação infantil, alfabetização, ensinos fundamental e médio, educação integral, diversidade e inclusão, educação profissional e tecnológica, educação superior, estrutura e funcionamento da educação básica.
Para cada objetivo, foram estabelecidas metas que os quantificam e permitem seu monitoramento ao longo do decênio. A proposta contém 58 metas, que são comparáveis com os 56 indicadores do plano vigente. Para cada meta, há um conjunto de estratégias que expressam as principais políticas, programas e ações envolvendo a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, para o alcance dos objetivos propostos.
Entre os objetivos, estão a consolidação da gestão democrática do ensino público; a qualidade e equidade nas condições de oferta da educação básica; e a superação do analfabetismo de jovens e adultos.
Para o vice-presidente da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), Paulo Fossatti, um dos principais desafios a serem superados pelo novo plano é estabelecê-lo como uma política de estado, com a execução integrada entre os entes da federação, sem que ela seja desmontada ao longo do tempo.
— Se nós quisermos levar adiante o nosso PNE com seriedade e efetividade, nós precisamos pensar num Sistema Nacional de Educação que dê conta; um sistema que integre a Federação, os estados, que integre os municípios nesse grande trabalho em rede para que de fato seja uma política de Estado, e não uma política de governo de quatro ou de oito anos — alertou, ao destacar que o Brasil ainda registra 9 milhões de analfabetos, mais de 60 milhões de jovens que não terminaram o ensino fundamental e cerca de 70 milhões de jovens em situação de educação de jovens e adultos (EJA).
Diversidade e inclusão
Os participantes afirmaram ainda que o projeto pensou em pontos fundamentais, como a garantia dos direitos humanos, a atenção à diversidade, as desigualdades regionais e a preocupação com o meio ambiente, como aqueles elencados na diretriz 10. No entanto, na avaliação da vice-coordenadora do Fórum Nacional de Educação (FNE), Miriam Fábia Alves, a proposta precisa avançar mais para se conectar com os graves problemas que estão ocorrendo hoje, como a crise climática. Ela citou como exemplo as queimadas que atingem atualmente várias regiões do país.
— Todas essas questões nós enfrentamos no cotidiano, que é um desafio imenso, do ponto de vista da educação que nós queremos ofertar, mas da educação como direito. E nesse aspecto, a discussão de sustentabilidade socioambiental, da questão ambiental, ainda é muito incipiente no nosso plano para enfrentar os desafios do tempo presente.
Financiamento
Fossatti e Miriam Alves também citaram como desafios a contratação, valorização, capacitação e criação da carreira de docentes, ampliação de vagas no ensino técnico, interiorização do ensino superior e atualização do currículo das universidades com o mercado de trabalho.
Além disso, indicaram como fundamental a preocupação com um financiamento que garanta a integralidade da educação, que pense além do ensino básico, citando a educação superior e o incentivo à pesquisa também como necessários. Eles lamentaram que o próximo PNE tenha recuado na meta progressiva de investimento em razão do não cumprimento do PNE 2014-2024.
O PNE 2014-2024 previa chegar ao final da sua vigência com a aplicação de 10% do PIB no setor da educação. Atualmente, está em 5,5%. O projeto estabelece uma aplicação progressiva que vai de 7% a 10%.
— Nós podemos destacar, por exemplo, a infraestrutura das escolas. Equipamento, materiais, acesso à internet, laboratórios, salas de leituras ou bibliotecas. Eu estou falando de velhos problemas em que nós não conseguimos avançar na educação brasileira. Então, para podemos avançar nesse aspecto, o financiamento é um item muito importante — acrescentou Miriam Alves.
A defasagem salarial dos professores também foi destacada pelo senador Flávio Arns.
— Mais de 50% dos professores da educação básica estão em contratos precários, temporários. Quer dizer, nós temos que ter carreira. Nós temos que ter a valorização, senão teremos um apagão permanente caso não resolvamos essa questão básica.
Por outro lado, Armando Simões lembrou que o financiamento da educação pública é um esforço federativo e deve contar com o comprometimento de todos os entes.
— Muitas vezes a gente pensa que o esforço é só de uma esfera, e isso está muito claro na estrutura, desde as leis específicas. Então o aumento do financiamento público da educação, ou o aumento do valor por aluno da educação básica vai depender de uma articulação e de um esforço federativo. Não existe uma solução nesta matéria que seja excludente de alguma esfera de governo. Basta, por exemplo, dizer que a União é responsável por 25% do consolidado de recurso que a educação no Brasil aplica.
Indicadores e monitoramento
O monitoramento do novo PNE foi atribuído novamente ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com a publicação da avaliação das metas a cada dois anos, contando explicitamente com o apoio do IBGE e com outros órgãos públicos que sejam produtores de dados e informações estatísticas. Para Fossatti, é essencial balizar os trabalhos dos gestores com um acompanhamento eficaz.
— Não basta termos metas, não basta termos indicadores, nós precisamos de acompanhamento. Então nós precisamos implementar instrumentos de avaliação que nos ajudem a monitorar e acompanhar com percentuais e prazos para saber quando é que começa e quando é que termina.
Chefe da Divisão de Disseminação de Estudos Educacionais do Inep, Flávia Viana Basso enfatizou a necessidade da precisão dos indicadores que serão levados em consideração para executar o monitoramento e avaliação das metas do novo PNE.
Como exemplo, ela citou a avaliação do atual plano em relação à educação especial, que consta na meta 4, e as dificuldades encontradas para a precisão dos levantamentos, que precisam considerar cenários específicos e públicos diferenciados. Na opinião dela, é indispensável um diálogo entre Inep e todas as outras instâncias, como Congresso e o IBGE, para estabelecer na futura lei uma precisão nos indicadores que serão monitorados.
— Nós tivemos uma dificuldade, e isso não pode se repetir para o próximo plano, que é o atendimento dessa população que usava somente os dados do Censo demográfico, mas a gente, com os dados do Censo Escolar, conseguiu fazer um monitoramento mais específico. Então a gente tem aqui uma política educacional inclusiva que conseguiu ampliar a matrícula dos estudantes com deficiência no ensino básico, mas o atendimento educacional especializado ainda só está garantido para cerca de 41% com algum tipo de necessidade educacional especial.
Legislação atual
O PNE em vigor atualmente é composto por 20 metas e foi aprovado pela Lei 13.005, de 2014. De acordo com o texto, o Poder Executivo deveria enviar ao Congresso Nacional uma nova proposta até junho de 2023. Como isso não ocorreu, a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) apresentou o Projeto de Lei (PL) 5.665/2023, para prorrogar o plano atual até 2025.
O texto foi aprovado em maio pelo Senado e em julho pela Câmara. No mesmo mês, a Lei 14.934, de 2024, decorrente do projeto, foi sancionada pela Presidência da República.
Fonte: Agência Senado
Foto de capa: O senador Flávio Arns (C) conduziu o debate com Armando Simões, Miriam Alves, Flávia Basso e Paulo Fossatti – Reprodução/Tv Senado