Ao menos 1.300 instituições de ensino superior realizaram vestibulares remotos em 2020 para cerca de meio milhão de estudantes
Enquanto alunos pediam o adiamento do Enem — em vão, o que causou uma taxa recorde de abstenção —, as universidades privadas buscaram maneiras de realizar processos seletivos à distância. Mais de 1.300 instituições organizaram vestibulares nos quais os estudantes faziam a prova de casa para o primeiro semestre de 2021. Entre elas, nomes importantes do setor como a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de alguns estados.
Facilidade de correção, maior alcance geográfico (já que alunos de qualquer local do mundo podem fazer a prova) e fim de todo o processo de impressão e distribuição de provas físicas são alguns benefícios que pesam para que o modelo ganhe força mesmo após o fim da pandemia.
— Ainda não dá para definir se continuaremos utilizando esse modelo quando a Covid-19 passar, mas posso dizer que a tendência é de manter — afirma Nivaldo Martins, vice-reitor da PUC-PR.
A instituição decidiu usar o mecanismo para poder realizar o vestibular sem riscos, nem prejuízos ao calendário acadêmico. Assim, quase oito mil estudantes participaram de dois processos seletivos, um para Medicina e outro para os diversos outros cursos.
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Para Antonio Freitas, pró-reitor da FGV, outra vantagem é a possibilidade de selecionar talentos que estão longe dos grandes centros urbanos.
— Deixa de ser um exame da Zona Sul do Rio para ser um exame nacional — diz.
Recursos pedagógicos
A prova é realizada com dia e hora marcados. O aluno, no computador de casa, precisa usar um software específico para fazer o download do exame. A partir daí, não pode mais sair da cadeira, acessar outros dispositivos ou materiais, nem ter contato com outras pessoas (veja mais medidas de segurança ao lado).
No caso da PUC-PR, as questões e alternativas eram randômicas: ou seja, nenhum candidato teve uma prova igual a outra, o que dificulta a tentativa de um candidato tentar colar de outro participante.
— Avaliações digitais apresentam características positivas ou negativas — afirma Wagner Rezende, conselheiro da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave) e pesquisador do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF). — Por um lado, elas precisam de adaptação. Nem todo mundo sabe fazer prova por meio digital. Pessoas com acesso a internet têm maior familiaridade em relação a isso, o que significa um viés de classe claro na hora da seleção.
Porém, o especialista aponta que há vantagens pedagógicas nesse formato.
–—Ela permite desenvolver itens interativos. Por exemplo, um gráfico de matemática que se altera enquanto o aluno interage. Isso dá muitas possibilidades. Também pode haver provas adaptativas que vão mudando de dificuldade de acordo com o desempenho do aluno.
Desde a pandemia, mais de meio milhão de estudantes realizaram provas remotas. Em janeiro, o Amigo Edu, uma startup que organiza esse tipo de vestibular para universidades, realizou um exame que servia como vestibular para 47 mil participantes — o dobro do que o Enem digital, realizado em centros presenciais.
A Associação Nacional das Universidades Privadas (Anup) também realizou uma seleção online e gratuita, com ofertas de bolsa de 100% ou bônus no pagamento da matrícula de acordo com a nota.
— Essa também é uma forma de captar alunos neste momento de dificuldades econômicas das universidades privadas que gera economia — afirma Elizabeth Guedes, vice-presidente da Anup.
Futuro do Enem
Na avaliação de Wagner Rezende, conselheiro da Abave, a ideia de transformar o vestibular remoto em política pública está no horizonte, ainda que distante.
— Num primeiro momento, por questões de segurança, penso que ir a um local específico para fazer uma prova digital seja uma saída mais imediata. Mas acho que o vestibular remoto é um caminho para um momento posterior — diz.
Beto Dantas, CEO do Amigo Edu, afirma que o Enem pode existir num modelo híbrido, em que parte dos alunos façam de casa e outra parte – especialmente aqueles com dificuldade de acesso à internet – em locais de aplicação.
— Se o governo liberar a correção por inteligência artificial, é possível entregar a nota do Enem em cinco minutos. Hoje o aluno clica o botão de entregar a prova e nesse tempo a universidade já recebe a correção c afirma o CEO.
A Índia vai realizar a seleção para os cursos de Direito no país, um dos processos seletivos mais importantes do país de 1,3 bilhões de pessoas, através de um vestibular remoto.
O modelo também foi cogitado pelo College Board, empresa responsável pelo SAT, teste padronizado que é aplicado nos EUA e aceito até 2020 nas principais universidades do país. Os organizadores , após meses de desenvolvimento, desistiram do projeto. As instituições de ensino americadas decidiram não usar essas notas para seleção neste ano, por conta da pandemia.
Fonte: O Globo