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Menos isentos e inscritos, mais barato: o que os números dizem sobre o Enem

Sem orçamento para um exame maior e pressionado para que a edição de 2021 não fosse adiada, o ministro Milton Ribeiro, do MEC (Ministério da Educação), conseguiu uma redução recorde das inscrições.

O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano teve 3,1 milhões de confirmados, após o pagamento da taxa de inscrição. É o menor número desde 2005, ou o equivalente a 53% menos inscrições do que em 2020.

Menos de 3.2 milhões de isentos


Na edição de 2020, o Enem teve cerca de 5 milhões de candidatos com isenção da taxa de inscrição. Em 2021, este número ficou em pouco mais de 1,7 milhão.

Diferentemente de 2020, alunos que faltaram às provas após terem aceitas a declaração de carência, em 2021, tinham de ter uma justificativa formal para a ausência, como um atestado médico.

Lucas Hoogerbrugger, líder de relações governamentais do Todos pela Educação, disse que a redução de inscrições “muito provavelmente está ligada à decisão do MEC de não dar isenção para quem se cadastrou e não foi fazer a prova no ano anterior”.

Para Frei Davi, diretor-executivo da ONG Educafro, “desconsiderar os efeitos da pandemia ao negar a isenção à taxa de matrícula é de uma insensibilidade atroz”.

80% a menos de carentes


Os alunos que declararam carência para não pagar a inscrição do Enem deixaram de ser o grupo com o maior número de inscritos. Em 2021, eles ocupam a última posição.

De mais de 3,6 milhões dos inscritos em 2020, passaram para pouco mais de 800 mil, cerca de 80% a menos.

Nestes números, não está incluso quem faz o último ano do ensino médio em escolas públicas. Estes recebem isenção automática da taxa de inscrição. Mas também houve redução neste grupo. Era de 1,31 milhão em 2020; agora são 910 mil, uma redução de 31%.

Segundo Frei Davi, os mais prejudicados são “a população afro-brasileira, em especial, e o conjunto da população pobre, em geral”.

O professor Romulo Bolivar, ex-apresentador da TV Escola, pontuou que “esses dados do Enem remetem, de forma clara e assumida, ao atual projeto educacional do país, que restringe a importância do exame à palavra ‘competição’ e, consequentemente, exclui pessoas em estado de vulnerabilidade social”.

Maior número de pagantes


O Enem teve quase 400 mil inscritos pagantes a mais do que no ano anterior.

Segundo o geógrafo Cláudio Hansen, esse aumento, mesmo com a tendência de queda dos inscritos, é “sinal de que a recuperação da crise pandêmica virá mais rápido para as classes mais altas, reflexo de que a educação pública não teve a mesma velocidade de adaptação para a educação online”.

Menos recém-formados


Alunos inscritos com 17 e 18 anos, idades em que a maioria está no último ano do ensino médio, eram 1,4 milhão no ano passado. Agora totalizam 1,3 milhão.

Já entre alunos de 19 anos, a redução pula para 53%. São cerca de 400 mil alunos a menos justamente entre aqueles que se formaram em 2020, o primeiro grupo que se formou no ensino médio após ter passado pela pandemia.

Mas são os alunos mais velhos que são os mais excluídos deste Enem. Com 2 milhões de inscrições a menos, os candidatos com mais de 21 anos são um grupo 70% menor do que na edição anterior.

Para Cláudio Hansen, isso tem relação com “as dificuldades impostas pelo governo para a isenção de taxa de quem faltou no Enem do ano passado e pela crise do emprego, com a necessidade de renda e a descrença da educação como solução imediata”.

Surpresa entre os dados, inscrições de concluintes vêm caindo desde 2017. Naquele ano, 87,5% dos alunos que estavam no terceiro ano do ensino médio se inscreveram no Enem. Em 2020, foram apenas 74%.

A educadora Maria Inês Fini destacou grandes campanhas de professores, no passado, para que os alunos se inscrevessem na prova, mas que a pandemia afetou esse incentivo.

Falou também de “todas as incertezas da atual gestão, que teria, inclusive, investido para que o Enem de 2020 não acontecesse”. Maria Inês comenta “que foi um índice alto de inscrições tendo em vista a evasão”.

Fini é considerada a criadora da primeira versão do Enem, quando era diretora de avaliação do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), no governo Fernando Henrique Cardoso. No governo de Michel Temer e início de Jair Bolsonaro, foi presidente do instituto.



Milhares de vagas devem ficar ociosas


Em 2020, o Sisu (Sistema de Seleção Unificada), o Prouni (Programa Universidade para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) disponibilizaram, juntos, mais de 800 mil vagas.

Para se candidatar, é preciso ter feito o Enem do ano anterior.

Em 2021, foram cerca de 660 mil vagas distribuídas por estes programas. A expectativa é que, com uma grande diminuição de candidatos, muitas das vagas destes programas não sejam preenchidas.

Em 2020, só 53% das vagas do Fies foram preenchidas. Em 2022, isso pode piorar. Vagas de cursos com menores notas de corte, como as licenciaturas, podem ficar ociosas.

Alexandre Retamal, presidente da Associação dos Servidores do Inep, falou que “isto deve trazer impactos negativos”. “Jovens que deixam de fazer o Enem ou que adiam a prova, acabam com piores salários e piores condições de trabalho”.

Daniel Cara, professor que foi coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, lembrou que o sistema de acesso ao ensino superior está em crise. Para ele, com a redução dos inscritos, “corremos o risco de entrar em colapso, pois podemos ter vagas não preenchidas no acesso à universidade, que ainda é um privilégio”.

Frei Davi apontou que “às próprias universidades terão turmas esvaziadas ao longo dos anos, outro problema que precisamos discutir urgentemente, especialmente em cursos como as licenciaturas, algo essencial para termos uma educação verdadeiramente desenvolvida e valorizada”.

Histórico do Enem

O Enem foi criado em 1998, como um exame de autoavaliação do aluno. Era uma prova com 63 questões, bem menos complexa que a avaliação atual, e uma redação.

Em 2001, iniciou uma política de isenções, o que elevou as inscrições, na época, para mais de 1,6 milhão de alunos. Naquele ano, 82% dos inscritos receberam isenção.

Com a criação do Prouni, em 2004, já utilizando a nota do Enem para seleção, o número passou a ser de 3 milhões de inscritos.

Uma reformulação em 2009 transformou o Enem em uma prova com 180 questões e uma redação. Foi quando começou a ser usado como seleção para universidades públicas.

Em meio à pandemia, o Enem teve 2,7 milhões de inscrições a menos. No mínimo, 900 mil pessoas, que deixaram de pagar os boletos de inscrição, mais cerca de 400 mil pessoas, para as quais não foi concedida a carência.

Na Justiça Federal, tramita um processo, aberto pela Defensoria Pública da União, pedindo que o MEC seja obrigado a mudar a política de isenções. Na audiência de tentativa conciliação, o Inep disse que isso causaria prejuízos ao erário e ao calendário do exame.

Em 2020, cada inscrito para o Enem presencial custou R$ 120. Os inscritos para a prova digital custaram cerca de R$ 375 por aluno. A redução dos inscritos deve deixar de onerar o Inep em, pelo menos, R$ 300 milhões.


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