Proibição de 16 cursos na modalidade a distância pode causar riscos para educação superior no país, colocando em xeque conhecimento do governo sobre o setor
Sob o desafio de modernizar a regulação do ensino superior a distância no Brasil no ano passado – entre outubro e novembro -, o Ministério da Educação (MEC) realizou uma consulta pública e recebeu quase 15 mil contribuições. Porém, contrariando a expectativa de uma análise dos milhares de argumentos enviados, o MEC emitiu uma portaria, dez dias após o término da consulta, restringindo a oferta de cursos EaD em 16 áreas. Isso levantou questionamentos junto ao setor sobre a eficácia do processo, considerando a complexidade e a amplitude das informações coletadas.
A consulta pública envolveu uma série de questionamentos sobre a viabilidade e concordância com as alterações propostas na regulação do setor.
Aparentemente, o objetivo era compreender a perspectiva da sociedade em relação ao futuro dos cursos a distância no país, quanto à qualificação dessas ofertas, considerando que houve um boom no crescimento da modalidade em 700% nos últimos dez anos, sendo catalisado pelo período pandêmico, entre 2020 e 2022.
Porém, o MEC interrompeu o credenciamento de cursos EaD em 13 áreas de ensino superior – Biomedicina, Ciências da Religião, Educação Física (bacharelado), Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Geologia/Engenharia Geológica, Nutrição, Oceanografia, Odontologia, Saúde Coletiva, Terapia Ocupacional e Licenciaturas-, mantendo as proibições dos cursos de Direito, Medicina, Psicologia e Medicina. A portaria ainda surpreendeu o setor com a inclusão dos cursos de licenciaturas do rol de restrições, embora não tivessem sido citados pela consulta pública.
Na avaliação das entidades que integram a campanha EaD inclui, ao estudarem as respostas enviadas ao MEC, a conclusão é de que a população teria manifestado maior atenção para cursos de qualidade e não pela proibição taxativa. Já o MEC não se posicionou a respeito da consulta e, dez dias depois, editou essa portaria com a proibição, prazo considerado inviável para o processamento dos resultados.
Além disso, as entidades concluem que o desconhecimento do MEC sobre o setor ocorre pela falta de fiscalização junto aos polos educacionais, que são as estruturas físicas responsáveis por coordenar os cursos EaD, nos âmbitos administrativo e acadêmico.
Os representantes das entidades dizem que, desde 2017, o MEC não realiza visita a esses polos. Segundo eles, nem mesmo durante o ano de 2023, foi promovida uma análise, ainda que por amostragem, desses polos para que o Ministério pudesse ter bases concretas, a partir de observações in loco, para, então, elaborar uma nova regulação. Para as entidades, as ações definidas pelo MEC têm sido referendadas por movimentos políticos e opiniões não embasadas em dados seguros sobre o setor.
APAGÃO NOS MUNICÍPIOS
Para entender qual seria o impacto da decisão do MEC, a pedido das entidades que integram a campanha, a deputada Adriana Ventura (Novo/SP) enviou um requerimento ao ministro Camilo Santana para que fossem respondidas a três questões relacionadas à portaria: quais as localidades que deixariam de ofertar os cursos proibidos na proposta da consulta; quantos profissionais se formam anualmente nos cursos proibidos; e quais os estudos embasaram a proposta de limitar a carga horária presencial a 30% do total da carga dos cursos.
As entidades observaram divergências nas informações fornecidas pelo MEC em resposta aos questionamentos da deputada. Segundo o grupo, os dados do MEC contrariam o censo do INEP de 2022, ao informar que apenas 170 municípios serão afetados com a suspensão das ofertas dos cursos EaD.
O setor acusa que serão mais de 2 mil cidades impactadas, onde a oferta de cursos a distância nas áreas suspensas é a única forma de acesso às formações profissionais. O movimento EaD Inclui alerta para um possível apagão educacional nessas regiões onde essa modalidade se configura como a única alternativa viável para os estudantes em busca de uma graduação.
Outra questão levantada pelas entidades envolve a resposta do MEC sobre a quantificação de alunos formados nas áreas suspensas, a partir da proposta de aumento do Conceito Institucional de 3 para 4, como requisito mínimo para o credenciamento dos cursos pelo MEC. As entidades que integram o movimento EaD inclui observaram que, se as regras propostas estivessem em vigor em 2023, incluindo a majoração do CI estipulada na consulta pública, em vez dos 24 mil informados pelo MEC, esse número aumentaria para mais de 80 mil estudantes deixando de se formar no mesmo período.
Diante das divergências apontadas, a coluna buscou esclarecimentos do MEC sobre os critérios utilizados pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES) para elaboração da lista de municípios afetados. Até o momento, não houve resposta por parte do Ministério.
O QUE DIZEM AS ENTIDADES
“Não há curso de graduação 100% a distância no Brasil. Não existe. Enquanto o MEC não separar o joio do trigo, não fizer um diagnóstico sereno, correto olhando para o futuro, sobre o ensino a distância, nós vamos falar sobre crença e não sobre dados. O MEC aborda mais os mitos e não enfrenta a realidade. A grande realidade, afinal, é conversar com os alunos. O sistema de educação não existe para garantir que essa demanda seja atendida com qualidade e não a impedir. A importância de uma agência reguladora é essa”, considerou Elizabeth Guedes, presidente da Associação Nacional de Universidades Particulares (Anup), que integra o EaD Inclui.
“Nós temos acompanhamento de diferentes atores pedagógicos com uma maior dinâmica e elasticidade de tempos de interação e socialização. Não há prejuízo na educação a distância, porque temos os ambientes virtuais que permitem essa interação. A maioria dos softwares possuem espaços onde acontece interação livre. Este é o ambiente que os estudantes podem trocar oportunidades de emprego, trocar ideias, fazer novos amigos, tendo acesso e inclusão,” disse vice-presidente da Unicesumar, Janes Tomelin.
“Não podemos ficar discutindo sobre proibição ou não proibição, minimizando um debate muito complexo. O ideal seria a construção de um diálogo sobre alternativas para aumentar a qualidade no EAD ao longo do tempo, sem reduzir a possibilidade das pessoas terem acesso ao Ensino Superior”, afirmou Luíz Alvares, pesquisador e CEO da Number Talks.
“No Brasil, não existe curso totalmente à distância e não existe curso também totalmente presencial, porque mesmo os cursos presenciais que não usa os 20%, 40%, eles propõem atividades à distância. Quer dizer, a educação é também a distância mesmo, mesmo que ela seja primordialmente presencial”, disse João Mattar, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED).
Fonte: Veja
Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado