Após repercussão negativa, CFM desiste de recurso contra cotas no Exame Nacional de Residência (Enare); Ebserh e Educafro defendem inclusão de grupos vulneráveis
O Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou sua posição contrária à implementação de cotas para negros, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência nas residências médicas no Exame Nacional de Residência (Enare). Organizado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), estatal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), o edital do exame, realizado em outubro, destina 30% das vagas para esses grupos como ação afirmativa para democratizar o acesso às residências médicas.
Em nota divulgada em outubro, o CFM defende que, após a formação, todos os médicos possuam a mesma qualificação profissional ao se registrarem no Conselho Regional de Medicina (CRM). O órgão argumenta que as desigualdades educacionais já foram atenuadas no processo de ingresso nas faculdades de medicina. Segundo o CFM, a introdução dessas ações pode criar uma “percepção de privilégios injustificados” na classe médica.
No mesmo mês, o CFM ajuizou uma ação civil pública contra o edital do Enare, alegando que a política de cotas promoveria “discriminação reversa”. A ação foi negada sem análise de mérito, sob o argumento de que o CFM não teria legitimidade para questionar políticas de ação afirmativa em processos de seleção para residência médica. O conselho, diante dessa decisão e da repercussão negativa do caso, anunciou, na sexta-feira (8/11), que não pretende recorrer.
Uma das principais entidades representativas dos médicos no Brasil, a Associação Médica Brasileira (AMB) também se posicionou contra a aplicação de política de cotas nas seleções para residência médica. A associação argumenta que todos os candidatos ao exame de residência já possuem formação igualitária, uma vez que completaram o curso de medicina nas faculdades. “A residência médica vai além do objetivo da formação de especialistas e jamais pode ser comparada ao acesso para cargos públicos, através de concursos”, comunicou, em nota.
O Enare foi realizado em 20 de outubro em 60 cidades, oferecendo 4.854 vagas para residência médica em 163 instituições em todo o Brasil. Desde 2023, o processo inclui uma reserva de 10% das vagas para pessoas com deficiência. Para a seleção deste ano, foi incorporada uma nova cota de 30% para candidatos autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas e pessoas com deficiência.
Resposta
Em contestação, a Ebserh informou que o objetivo do Enare é ampliar e democratizar o acesso às residências médicas e multiprofissionais, com previsão de cotas para grupos vulnerabilizados, em alinhamento com os objetivos constitucionais do Brasil. A empresa destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a constitucionalidade de ações afirmativas, incluindo cotas étnico-raciais, no acesso ao ensino superior público.
A empresa declarou, também, que a política de cotas para ingresso no ensino superior, por si só, não eliminam as desigualdades sociais presentes no acesso às especialidades médicas. Por fim, a Ebserh manifestou “profunda discordância” com as publicações que questionam as políticas afirmativas no Enare, enfatizando que tais políticas “não implicam privilégio ou quebra da isonomia.”
Discordância
A Educafro Brasil, projeto com objetivo de inserir e garantir a permanência de negros e pessoas da camada popular dentro das universidades públicas, manifestou-se contrária à postura do CFM e da AMB, classificando-a como “equivocada e inconstitucional”. Segundo a entidade, a oposição às cotas para negros, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência ignora a importância das políticas públicas antirracistas, já legitimadas pelo Congresso.
Para Frei David, representante da Educafro Brasil, as pessoas negras foram excluídas de espaços profissionais de destaque, incluindo a área médica, e que ações afirmativas, como as adotadas pela Ebserh no Enare, representam um avanço em direção à igualdade. “A decisão do órgão público Ebserh contribui para uma sociedade mais plural, inclusiva e igualitária”, afirma.
A organização sinalizou que apresentará uma petição, dentro de 48 horas, para participar do processo como amicus curiae (instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais), a fim de defender a constitucionalidade das ações afirmativas na seleção para residências médicas.
Fonte: Correio Braziliense/ Eu Estudante
Foto de capa: Hospital and medicine. Doctor at work – (crédito: Yeko Photo Studio)