‘Ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado’, disse o presidente em Dubai
O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta última segunda-feira (15) que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ocorrerá normalmente no final deste mês, apesar da crise detonada com a renúncia em massa de servidores de cargos de chefia no órgão responsável por sua organização, o Inep, em protesto contra a chefia do órgão.
Diante de denúncias de assédio moral e pressões para alterar a prova sem respaldo técnico ou pedagógico, Bolsonaro disse que o exame a partir de agora atende aos princípios ideológicos de seu governo. “Agora, começam a ter a cara do governo as questões da prova do Enem. Ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado, temas de redação que não tinham nada a ver com nada”, disse o presidente.
“Conversei rapidamente com o Milton [Ribeiro, ministro da Educação], que é uma pessoa séria, responsável, é do ramo. Ele mandou mensagem para mim agora, disse que a prova do Enem vai ocorrer na mais absoluta tranquilidade”, declarou o presidente, durante viagem a Dubai.
A comissão de Educação da Câmara pode votar nesta terça-feira (16) pedido de convocação para que o ministro se explique no parlamento. Já havia requerimentos nesse sentido desde o início do mês, mas o colegiado adiou sua ida ao acordar com o governo receber o presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro.
Ele esteve na casa na semana passada e sua fala foi considerada muito ruim por parlamentares. A repercussão do caso colabora para esta convocação.
“A acusação que os servidores trouxeram foi justamente o que o presidente acabou de confirmar”, disse o deputado Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Mista de Educação e um dos autores do pedido de convocação.
A crise foi deflagrada em 8 de novembro, quando 35 servidores do Inep entregaram seus cargos no instituto, citando “fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep [Instituto nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais]”. Eles se mantêm como servidores de carreira, no entanto.
Parte destes funcionários estava diretamente envolvida na organização da prova, marcada para os dias 21 e 28 de novembro. Sem entrar em detalhes, o presidente disse que estes servidores ganhavam salários excessivos.
“O negócio é complexo. Não quero entrar em detalhes, mas é um absurdo o que se gastava com poucas pessoas lá. Um absurdo. Inadmissível o que acontecia”, afirmou Bolsonaro. Os servidores, no entanto, eram do quadro técnico do órgão e metade deles só chegou aos atuais cargos comissionados de chefia por decisão de presidentes indicados por Bolsonaro.
Alguns dos temas da prova do Enem incomodam a base conservadora do presidente Bolsonaro, especialmente os relativos a identidade de gênero e minorias. Segundo Bolsonaro, o Enem agora é “algo voltado para o aprendizado”.
No último dia 14, o programa Fantástico, da Rede Globo, divulgou reportagem na qual ex-servidores do Inep detalhavam interferência do ministério em algumas das questões do exame, além de situações de intimidação. Também apontavam despreparo do comando da entidade.
A reportagem trouxe relatos que indicam pressão para alterar, sem qualquer critério técnico ou pedagógico, ao menos 20 questões de uma primeira versão da prova deste ano. Os itens, segundo a denúncia, tratavam de temas da história recente e contexto sociopolítico ou socioeconômicos.
Em 2019, o Inep criou uma comissão que censurou questões. Elogiada por Bolsonaro, a ditadura militar (1964-985), por exemplo, não foi mais abordada no exame.
Em junho deste ano, a Folha revelou que uma portaria do Inep estabelecia uma espécie de “tribunal ideológico”, com a criação de uma nova instância permanente de análise dos itens das avaliações da educação básica. O documento falava em não permitir “questões subjetivas” e atenção a “valores morais” e ia contra posicionamento técnico do próprio Inep.
Milton Ribeiro já teve de se explciar sobre isso na Câmara e, na ocasião, mentiu ao dizer que nem sequer essa ideia existia. Ele também recuou da afirmação anterior de que iria olhar pessoalmente a prova.
O Ministério Público Federal, ao comprovar as informações da reportagem, já recomenou que o governo Bolsonaro se abstenha de criar esse filtro ideológica. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão considerou que o ato pode representar ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de ideias.
De acordo com as denúncias dos servidores, no entanto, Milton Ribeiro e o presidente do Inep mantiveram esse objetivo por meio de pressão a servidores. Parlamentares envolvidos com o tema de educação também querem mais detalhes sobre a entrada de um policial federal em uma sala segura onde os exames do Inep são elaborados e cujo acesso é restrito.
O exame é a principal porta de entrada para o ensino superior, e seu conteúdo é uma referência para as escolas de ensino médio. Neste ano, 3,1 milhões de inscritos são esperados para fazer a prova.
Fonte: Folha de S. Paulo