Advogada Cláudia Mansani Queda de Toledo nega crise no órgão, diz sofrer misoginia e defende ações afirmativas.
Prestes a completar oito meses na presidência da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a advogada Cláudia Mansani Queda de Toledo enfrenta situação atípica com a renúncia de mais de cem pesquisadores ligados a processos de avaliação da pós-graduação no Brasil.
Em entrevista à Folha, Toledo, 51, defende que o órgão não passa por crise. “As renúncias são insurgências em prol da avaliação, não são uma crise”, afirma ela.
Toledo diz esperar a volta dos que saíram e refuta que haja uma debandada. “Esse termo ofende a instituição.”
Coordenadores e pesquisadores de 4 das 49 áreas de avaliação da pós-graduação se desligaram das atividades com fortes críticas aos gestores do órgão. A Capes é vinculada ao Ministério da Educação.
Os pesquisadores —que não são servidores da Capes— criticam supostas pressões para acelerar a abertura de novos cursos e aprovar ofertas a distância, além de se queixarem de descaso para a retomada da avaliação dos programas.
A avaliação quadrienal da pós-graduação (mestrados e doutorados) fora interrompida por decisão judicial em setembro, mas, no dia 2 deste mês, a Justiça autorizou a retomada.
Toledo rejeita as críticas, diz manter o diálogo com a academia e argumenta que o quadro tem relação com misoginia e preconceito enfrentado por ela.
Com uma postura incomum no governo Jair Bolsonaro (PL), ela defendeu ações afirmativas e anunciou que vai retomar a isonomia de investimentos para as humanidades, área esvaziada na gestão do ex-ministro Abraham Weintraub.
A renúncia de 114 pesquisadores significa uma crise para a Capes? Acredito que seja um momento de reflexão e de enfrentamento. As renúncias são insurgências em prol da avaliação, não uma crise.
O ciclo de avaliação na Capes é de quatro anos e em praticamente dois estamos assolados por uma pandemia. Soma-se a isso uma ação civil pública conformada desde 2018 em que o Ministério Público Federal lança dúvidas sobre o procedimento.
São dúvidas densas, preocupadas com a destinação de recursos públicos, e a tramitação culminou com a suspensão de todos os atos da avaliação.
A avaliação é um procedimento complexo, e a responsabilidade dos 49 coordenadores, dos quais 4 renunciaram, é muito grande.
Há uma somatória de fatores, mas não há debandada. Tenho 60 servidores na diretoria de avaliação trabalhando de sábado e domingo, muita gente envolvida e que não está debandando da Capes. Esse termo ofende a instituição.
Como fica a continuidade da avaliação da pós-graduação com essas renúncias? Os coordenadores são investidos de mandato. Como não é possível avaliar todas as áreas com servidores concursados da Capes, eles convidam pares para auxiliar.
O universo é de 4.500 [consultores], então, sem diminuir a importância do cenário, desse total temos quase cem que acompanharam as renúncias até por lealdade aos quatro coordenadores.
Não há, portanto, paralelismo com o que aconteceu no Inep, onde há movimento de servidores.
Eu sou uma incansável otimista, acredito no diálogo e na humildade. Desde o primeiro momento deixei claro que a porta da Capes está aberta para o retorno deles. Eu me neguei a fazer qualquer designação para substituição, as pessoas têm um tempo para refletir.
Se por um momento a avaliação estava suspensa, em seguida conseguimos derrubar a liminar. É muito importante para nós que aqueles que acompanharam a avaliação possam continuar.
Os mandatos vão até abril e, na quinta-feira [9], os coordenadores sugeriram estender até dezembro de 2022. Alguma prorrogação haverá, mas temos de estudar tecnicamente e responder ao Ministério Público todos os atos.
Se a avaliação ficou suspensa por 70 dias, por que estaríamos prorrogando mais que isso?
As cartas de renúncia falam em demora para recorrer da decisão que interrompeu a avaliação. Houve descaso? É uma acusação injusta atribuir leniência ou demora da AGU [Advocacia-Geral da União] e da presidência.
No dia seguinte da liminar, a procuradoria provocou todos os coordenadores para que fornecessem os elementos para a nossa defesa, já que é um tema muito complexo. Os coordenadores tiveram 15 dias e vários não conseguiram cumprir esse prazo. Depois, em oito dias a defesa com quase 5.000 páginas foi juntada ao processo.
Poderíamos ter feito só na presidência e na AGU, mas foi uma exigência minha ter a lavra dos 49 coordenadores para uma defesa legitimada, democrática, e eles colaboraram muito.
Como a sra. encara as críticas de que falta diálogo? Não aceito adjetivos de condutas autoritárias, isoladas. A Capes é um coletivo, é a junção do CTC [Conselho Técnico-Científico], dos colegiados, dos coordenadores, de todos. Eu não tenho dificuldade de diálogo e, quando assumi, fiz um convite a toda comunidade.
Veja que a liminar foi concedida sem a Capes ser ouvida e isso não é revoltante só para o coordenador, é para a presidente. Mas entre renunciar e lutar, minha opção foi continuar lutando pela avaliação. Eu não tenho dificuldade de diálogo nem de ouvir crítica.
A decisão para que a APCN [Análise de Propostas de Cursos Novos] fosse aberta agora, em detrimento da crítica de que precisaria esperar avaliação, vem de uma convicção da presidência ou de pedidos que recebeu? A sra. está defendendo algum interesse privado? Temos relatório sobre os últimos dez anos do que aconteceu no sistema nacional de pós, que será entregue em 20 de dezembro no Conselho Superior.
Há um mapeamento da necessidade de ofertas de novos cursos. Não é documento da presidência e a APCN está indicada lá, além de ser direito das universidades.
Eu não recebi pedidos. Aliás, eu nunca recebi pedidos dessa natureza de interesses, nem do MEC, nem do presidente da República, nem de universidades privadas.
Recebi, sim, demanda desconfortável, em diálogo com o CNE [Conselho Nacional de Educação], de que universidades correm risco de ser descredenciadas porque não têm o mínimo exigido em lei de quatro mestrados e dois doutorados. São três anos sem abrir APCN, em um calendário que era anual.
Eu sou egressa de universidade privada, mas não quer dizer que não tenha absoluta admiração pelo que representa nossa universidade pública. Trazer essa dualidade é um engano.
A pós é dividida em um cenário de 80% no âmbito público e 20% no privado. Os investimentos das privadas para manter a pós são muito grandes. Uma das metas é construir pontes entre público e privado para aperfeiçoar o sistema e oferecer a pós em lugares que não se sabe o que é um doutorado.
A EAD [educação a distância] é a grande aposta de lucratividade do setor privado e houve acusações de pressão para acelerar os processos de criação desses programas. A abertura do sistema não pode ser predatória, tem de ser evolutiva e qualitativa. Confundir EAD com sucateamento é um erro. Mas a previsão desses cursos já existia na última APCN.
A diretoria de avaliação solicitou adequação de alguns documentos à legislação e reconheço que ela foi enfática. Os coordenadores são senhores dos seus colegiados, poderiam ter dito “não vamos fazer”, mas todos entregaram os documentos, inclusive os renunciantes.
Esse argumento não faz sentido também porque quem vai julgar as propostas [submetidas com a abertura da APCN] é o próprio colegiado. No último processo, foram 17 pedidos de EAD e 100% foram reprovados.
Quando assumiu, a sra. recebeu críticas de que seu currículo não estaria à altura do cargo, e agora enfrenta renúncias. Acha que o fato de ser mulher influencia esse quadro? Eu tenho certeza. Não tinha antes, e não avaliava que essa vulnerabilidade da representação da mulher aparecesse no cenário da Capes.
Em um universo de 318 coordenadores, não há nenhum negro, quase 70% são homens. O modelo reproduz a realidade da sociedade e talvez precise de ações afirmativas.
Fizemos portaria com definição de comissão para um censo da pós-graduação brasileira e podemos fazer [a aferição] de inúmeras vulnerabilidades, como a representatividade dos negros, de orientação sexual, socioeconômica.
Sou apenas a quarta mulher [à frente] da Capes em 70 anos. Os números gritam o preconceito, a misoginia.
O pior é a meia verdade, é pior que uma grande mentira. Buscam-se críticas, narrativas desencontradas, como não dar diálogo, uma série de pecados mortais que a academia elege nos quais estão subjacentes a misoginia.
Acho que toda mulher é vítima de preconceito. A mulher brasileira é discriminada se for negra, se for pobre, se for rica, se for loira, se for doutora, analfabeta, se for presidente da Capes. Sem nenhuma crítica às grandes áreas do conhecimento, mas ser a primeira mulher do direito também foi um ônus.
Esses são temas tratados como menores no governo Jair Bolsonaro. Quando assumi, ouvi do presidente da República: “A senhora tem carta branca para fazer o seu melhor”. E nunca recebi um pedido que censurasse a defesa das causas da mulher, a defesa das causas das humanidades.
Aliás, encontrei a Capes com uma política de diminuição de investimento da área de humanidades. Eu não tenho nenhuma restrição do ministro Milton Ribeiro [da Educação] nem do presidente em manter esse recuo das humanidades, que são as áreas que defendem as vulnerabilidades.
O modelo de distribuição de bolsas de 2022 vai devolver a igualdade de investimentos nas três áreas de conhecimento.
A Capes já teve corte de bolsas e atrasou pagamentos neste ano. Com cortes de orçamento, dá para dizer que o governo prioriza a ciência? Estou aqui defendendo a Capes, levando com transparência para sociedade os números. O sistema cresce e as bolsas precisam crescer.
Não é um cenário perfeito, mas todas as dificuldades que tivemos de orçamento foram atendidas pelo MEC, temos combatido assimetrias de oferta com projetos no semiárido, na Amazônia.
A previsão do orçamento do próximo ano tem um déficit de R$ 800 milhões [dentro de uma rubrica prevista de R$ 3,14 bilhões]. Temos aceno do MEC que conseguiremos alcançar a demanda.
Raio-X