O ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse hoje que quer ter acesso antecipado à prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para evitar aquilo que ele define como “questões de cunho ideológico”. As provas impressas e digitais serão aplicadas nas mesmas datas, em 21 e 28 de novembro. A declaração de Ribeiro ocorreu durante entrevista à CNN Brasil, na tarde de hoje.
O Enem tem uma questão de sigilo que, para você ter uma ideia, nem mesmo o ministro da Educação tem acesso. Este ano, talvez, eu tenho conversado com o meu presidente, o grupo que me assessora, [para] que eu possa fazer parte, ter conhecimento, e, naturalmente, manter a questão do sigilo.”
“[A ideia] É minha, só minha. E creio que estou expressando a vontade da grande maioria da sociedade brasileira. Entende? Eu acho que está na hora de dar uma reviravolta nessas questões do Enem. Os alunos estudam e são surpreendidos com questões que, em termos de avaliação, nada tem a ver com conhecimento necessário para se ter acesso a ensino superior. Eu creio que sejam dispensáveis alguns temas”, argumentou o ministro, em seguida.
“As questões anteriores do Enem eu não tive nenhum acesso a perguntas ou questões de natureza que aconteceram.”
Ribeiro disse ainda que a iniciativa de ter acesso às provas com antecedência foi dele e não do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) publicou ontem o edital do Enem. O prazo para inscrições vai de 30 de junho a 14 de julho para as duas modalidades de prova. As inscrições deverão ser feitas pela página do participante, no site do Inep.
Os editais da prova impressa e da digital podem ser consultados na edição de hoje do Diário Oficial de União.
A ideologia, por Bolsonaro e Ribeiro
A justificativa dada pelo ministro é a presença de um certo cunho ideológico que acusa ver nas questões do maior exame de inclusão no Ensino Superior do país. Segundo ele, o objetivo é avaliar o aluno “naquilo que ele sabe e que seja necessário”.
“Nós sabemos que, muitas vezes, havia perguntas objetivas ou até mesmo com cunho ideológico. Nós não queremos isso. Queremos provas técnicas. […] As questões mais subjetivas nós não vamos tirá-las de tudo”.
Entre as perguntas que o ministro considera “subjetivas”, está uma questão que falava sobre a população Trans.
“Há um ou dois atrás, por exemplo, havia perguntas como vestimenta de travestis que, naturalmente, grande maioria do povo desconhecia. São ideologias próprias, com todo respeito à orientação de cada um. No entanto, não é tema comum de conhecimento, não se aprende na escola essas coisas.”
Neste momento, o ministro, que disse ter tido a ideia de supervisão prévia das questões por conta própria, repetiu uma crítica feita em 2018 pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre uma questão do Enem. Recém-eleito naquele ano, ele chegou a dizer que em sua gestão o MEC não trataria de “assuntos dessa forma”.
Uma questão de prova que entra na dialética, na linguagem secreta de travesti, não tem nada a ver, não mede conhecimento nenhum. A não ser obrigar para que no futuro a garotada se interesse mais por esse assunto. Temos que fazer com que o Enem cobre conhecimentos úteis.”
Durante a fala, Ribeiro ressaltou que a prova deve ter “o respeito na natureza das perguntas a toda e qualquer orientação que as pessoas, em um país laico, possam ter”. “Não é isso que estou discutindo. Estou discutindo apenas um grupo privilegiado que tem acesso a esse tipo de informação que tenha vantagens sobre outro grupo.”
O ministro citou, então, outro exemplo de “questões ideológicas” na prova:
“Na última, houve uma discussão sobre o salário do Neymar e da Marta, mostrando que mulheres ganham menos. Imagine, se na prova a gente pudesse colocar o salário da Gisele Bündchen, modelo, e do Paulo Zulu. Então é uma questão desnecessária para avaliar o conhecimento de alguém na minha opinião”.
Mais uma vez, ecoou fala de Bolsonaro que, em janeiro, chamou de “ridícula” a questão sobre a disparidade salarial entre homens e mulheres.
“O banco de questões do Enem não é do meu governo ainda, é dos governos anteriores. Têm questões ali ridículas, ainda. Ridículas, tratando do assunto. Comparando mulher jogando futebol, mulher e homem, por que que a Marta ganha menos que o Neymar…”
Ao abordar questões como essas, o ministro e o presidente se aproximam indiretamente de uma crítica, comumente feita publicamente por ambos, contra a “ideologia de gênero”.
“Ideologia de gênero” é um conceito pejorativo usado pelo campo ultraconservador, muitas vezes ligado ao fundamentalismo religioso, contra os avanços nos direitos sexuais e reprodutivos e na igualdade de gênero, em especial a população LGBTQIA+. Defensores da moral costumam se referir à “ideologia de gênero” como ameaça à sociedade, posicionam-se contrários ao direito ao aborto e usam o conceito de “família” para impor uma agenda que, na realidade, tolhe direitos de quem não se alinha a esse posicionamento conservador.