A renegociação do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), programa do governo federal para financiar o ensino superior, não tem sido atraente para muitos inscritos que ainda têm prestações a pagar. Parcelas altas e valores à vista longe da realidade financeira foram argumentos citados ao UOL por jovens profissionais que desistiram de pagar a dívida.
“Fiquei ansiosa pela renegociação, mas continuou inviável pagar”, disse a psicóloga Maria Jaíne da Silva de Oliveira, 25. Com uma dívida de pouco mais de R$ 51 mil, a parcela do seu financiamento é, hoje, de R$ 540. Nesse modelo, ela ainda vai pagar cerca de 95 prestações.
A proposta de renegociação era de 150 parcelas de R$ 497 —o que totalizaria R$ 74.550. Ou, à vista, R$ 45 mil. “Não mudou muito para mim”, afirmou. “Acredito que [essa renegociação] não atende a necessidade e realidade financeira de muitos estudantes.”
Procurado pela reportagem por email e por telefone na última quinta (17) e na sexta-feira (18) para responder sobre as críticas dos devedores, o Ministério da Educação não se manifestou até o fechamento desta reportagem. O espaço fica aberto para atualizações.
O UOL ainda questionou o MEC sobre o número de devedores que aderiram à renegociação até o fim da semana passada. A pasta informou que deve divulgar um balanço nesta semana.
A MP (Medida Provisória) 1.090, regulamentada em 10 de fevereiro, permite a renegociação de contratos feitos até 2017. A renegociação foi liberada a partir de 7 de março, até 31 de agosto.
Para inscritos no CadÚnico (o cadastro únicos para programas sociais do governo federal) e que receberam auxílio emergencial durante a pandemia de coronavírus, os descontos são de 92%. Aos demais, o desconto é de 86,5%. Essas porcentagens valem para quem tem mais de 360 dias de atraso no pagamento.
No caso de Maria Jaíne, que está com um atraso de pouco mais de 190 dias no pagamento, o desconto para pagamento à vista foi de R$ 6,3 mil —12% a menos do saldo devedor e menos 100% dos encargos.
A psicóloga contou que terminou a faculdade no final de 2019 e começou a trabalhar como autônoma no ano seguinte. Mas, com a chegada da pandemia e o fim da amortização de seu contrato, ela não conseguiu quitar as parcelas.
“Na época [da faculdade], escolhi o Fies por ser a melhor opção com base na minha realidade financeira. Não trabalhava na época, só os meus pais, e cada mês que passava se tornava mais inviável o valor da mensalidade da faculdade.”
Assim como a psicóloga, Bruna Barbieri Vicentini, 25, se formou no curso de administração com a ajuda do Fies. As parcelas de seu financiamento começaram a ser cobradas em junho do ano passado. Como estava desempregada, não conseguiu pagar nem mesmo as primeiras prestações. A dívida, hoje, é de mais de R$ 60 mil —inicialmente, ela deveria pagar esse valor em cerca de 140 parcelas de R$ 446.
“Consegui um emprego no fim do ano passado, mas ganhando R$ 800 fica impossível pagar. Achei que com a renegociação conseguiria quitar ou negociar de alguma maneira”, lamenta Bruna, que hoje trabalha como operadora de telemarketing.
Com 255 dias de atraso, Bruna recebeu duas propostas:
* R$ 51 mil à vista; ou
* 150 parcelas de R$ 474 (que totalizaria R$ 71 mil).
A operadora de telemarketing pretende aguardar até agosto, quando terá ultrapassado os 360 dias de atraso. “Ainda estou tentando lutar para conseguir um emprego melhor, ganhar mais e pagar. Mas, nas condições atuais, a gente vai onde dá”, lamenta.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) não informou se pretende trabalhar para que a renegociação seja ampliada por mais tempo. No anúncio da medida, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que a MP não é um “incentivo ao calote”.
Na época, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse também que o “perdão” das dívidas em contratos fechados até 2017 tem um “custo fiscal irrisório” para os cofres públicos, já que se tratam de débitos que dificilmente seriam pagos pelos jovens. Mesmo assim, o governo não ofertou a mesma porcentagem de descontos para todos os devedores.
Frustração
Primeira de sua casa a completar o ensino superior, Maria Jaíne se sente frustrada por não conseguir quitar o débito do Fies. “A gente se forma com a expectativa de ter condições de se manter, mas o cenário atual não dá a devida valorização”, diz a psicóloga.
Seus pais saíram do Nordeste para morar em Curitiba, no Paraná, em busca de melhores condições de vida. Ela conta que tentou um emprego de carteira assinada nos últimos dois anos para ter mais estabilidade financeira, mas como não conseguiu, e seguiu como autônoma.
Dos R$ 38 mil em aberto, Igor conseguiu fazer um pagamento à vista de R$ 5 mil. Ele conta que ainda assim precisou pegar uma parte do valor emprestado e a outra parcelou no cartão de crédito ao fazer o pagamento por um aplicativo.
“Me sinto livre, sabe? Porque foi um sonho [fazer a faculdade], acredito que todos os jovens têm esse sonho de ter um curso superior”, comemora.
No período de amortização, o problema começou com as primeiras parcelas de R$ 300. Na época, ele não trabalhava.
O assistente de escritório contou que ainda tentou ir ao banco para renegociar a dívida —antes do anúncio do governo— mas não conseguiu fazer nenhum parcelamento.
“Queria só deixar uma frase: nunca deixe de realizar os seus sonhos, um dia você chega lá.”
Fonte: UOL Educação