Resolução aprovada por órgão ainda precisa ser homologada pelo MEC; entidades de ensino a distância afirmam que decisão carece de estudos e justificativa
O CNE (Conselho Nacional de Educação) definiu que cursos na modalidade a distância de formação de professores devem ter obrigatoriamente metade da carga horária total de forma presencial.
O documento ainda deve ser homologado pelo MEC (Ministério da Educação). O ministro da Educação, Camilo Santana, tem criticado graduações de formação de professores a distância, como a legislação atual permite.
Com a regra atual, alunos acabam não tendo contato presencial com professores ao longo de todo curso e atividades presenciais ficam restritas, por exemplo, à realização de provas em polos. Nesses polos, há na maioria dos casos a presença apenas de tutores, não professores.
Em dezembro de 2023, o ministro disse que era objetivo do governo Lula vetar formação de professores 100% a distância. O governo suspendeu, também no ano passado, processos de credenciamento de novos cursos de ensino superior a distância em 17 áreas, entre as quais todas as licenciaturas.
O CNE é um órgão de assessoramento do MEC. Tem atribuições normativas, como a de definir diretrizes no campo educacional, mas a decisão final é do ministério.
O órgão aprovou, em março, uma resolução com as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica”, o que inclui cursos de licenciatura, de formação pedagógica para graduados não licenciados e cursos de segunda licenciatura.
O documento prevê, no geral, a divisão dos cursos em quatro núcleos: formação básica, formação específica da área de formação, estágio supervisionado e extensão.
A previsão da nova resolução é que, de uma carga total de 3.200 horas da graduação (em cursos com duração de, no mínimo, quatro anos), 1.600 horas devem ser obrigatoriamente presenciais.
Essas horas obrigatoriamente presenciais serão distribuídas da seguinte forma:
- 880 horas das atividades da parte de conhecimentos específicos (o que representa metade das 1.600 horas previstas nesse núcleo);
- 320 horas de atividades acadêmicas de extensão, desenvolvidas em escolas;
- 400 horas dedicadas ao estágio curricular supervisionado.
As graduações online atendem parcela da população que mora em regiões distantes e não conseguiria fazer cursos totalmente presencial. A própria resolução cita pesquisas que indicam que os estudantes de licenciaturas são mais velhos e de famílias com baixo nível geral de escolarização.
A formação de professores em licenciaturas a distância já concentra 81% dos ingressantes, segundo o Censo do Ensino Superior de 2022, o mais recente.
Apesar das críticas do ministro, essa modalidade representa a maior aposta de expansão do setor privado de educação superior.
O diretor jurídico da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), Bruno Coimbra, afirma que a discussão deve priorizar a metodologia correta para a formação dos professores, e que estabelecer uma porcentagem específica de carga horária presencial a ser cumprida é uma medida aquém da discussão necessária.
“É importante que possamos discutir as metodologias que vão ser utilizadas nesses cursos de licenciaturas e quais são aqueles momentos de presencialidade que indiscutivelmente são necessários, na forma presencial, para assegurar a formação desses professores”, diz.
Em carta endereça ao CNE, a Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) pede que a resolução seja revista. A entidade afirma que o conselho definiu 50% de carga horária presencial sem apresentar justificativas.
“A implementação do Projeto de Resolução, por consequência, impedirá que sejam ofertados cursos de licenciatura na modalidade a distância no Brasil”, diz a carta. “[A nova regra] provocará uma redução drástica no número de professores formados no Brasil nos próximos anos.”
A Associação Brasileira dos Estudantes de Educação a Distância também publicou carta pedindo que a resolução não seja homologada.
“Toda proposta de melhoria da regulamentação do setor é bem-vinda, mas ela deve vir acompanhada de justificativa, estudos e percepção da realidade dos estudantes que buscam os polos e cursos a distância, o que, na nossa avaliação, não ocorreu”, diz o documento, também assinado pelo Diretório Central dos Estudantes da Univesp (Universidade Virtual de São Paulo), instituição pública.
Em nota, o MEC afirmou que valoriza o papel do CNE enquanto uma esfera de escuta da sociedade civil e que detém, entre suas competências, a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais.
“A presencialidade é aspecto fundamental para a formação de professores e constitui uma valorização da formação específica e do campo de prática, contribuindo para a qualidade dos futuros professores”, diz o texto.
A pasta ressaltou a regulação da educação superior irá “considerar a importância de estimular os cursos de licenciatura, contemplando as diferentes realidades regionais e socioeconômicas de nosso país”.
Fonte: Folha de S.Paulo
Imagem de Capa: Jardiel Carvalho – 22.fev.2024/Folhapress