Reflexão sobre a crise na educação superior brasileira, destacando os desafios do EaD e a necessidade de ação do Ministério da Educação
É muito difícil compreender situações ou fatos históricos quando se está a vivenciá-los; a visão em perspectiva comumente é prejudicada. No entanto, o momento em que este artigo é escrito é muito simbólico, pois é justamente em Janeiro que se celebra o “Dia das Universidades”. Embora haja motivos para comemorar, pois educar e ensinar é uma missão de grande importância, as preocupações têm se avolumado nos últimos tempos. Um parâmetro referente ao ensino superior que pode ser utilizado para compreender o tamanho da crise em que se encontram os estudantes e as Instituições de Educação Superior de reconhecida qualidade do país é a propagação do ensino a distância (EaD).
Ao que tudo indica, o EaD foi a fórmula encontrada pelos grandes “Conglomerados Empresariais Educacionais” ou os “Big Players Educacionais” para auferir potentes lucros ao custo de um ensino de qualidade medíocre. De outro lado, a crise apontada jamais poderia ter sido construída se o Ministério da Educação não tivesse adotado, há pelo menos duas décadas, uma postura ultraliberal, permitindo que o capital tivesse proeminência na definição dos rumos do ensino universitário brasileiro.
Para evidenciar isso, é preciso compartilhar dados e promover comparações de modo a construir “a perspectiva” sobre o que está ocorrendo. O Censo do INEP sobre a educação superior (base de dados: ano 2022) é um excelente e indispensável documento a ser lido por quem deseja se inteirar sobre o assunto, disponível no site da autarquia referida. De 2005 a 2022, em apenas dezessete anos, o EaD teve sua oferta quase igualada ao ensino presencial. No entanto, com diversas nuances, quatro Big Players Educacionais passaram a concentrar 23% das matrículas, e esses Conglomerados Empresariais Educacionais, os que ultrapassam 100.000 alunos, têm uma baixíssima razão/proporção de professores por número de estudantes. O EaD responde por mais de 60% de sua oferta de serviços educacionais. É importante trazer a tabela gerada pelo Poder Público e o detalhamento dessas informações. É possível verificar que a IES denominada como “Instituição de Ensino A” dispõe de 258 professores para 669.275 estudantes, ou seja, 1 professor a cada 2.594 estudantes.
Esse indicador é estarrecedor na medida em que, em qualquer instituição de qualidade, o gasto corrente com os professores universitários responde por, no mínimo, 60% de sua despesa total (considerando apenas a folha de salário). Na contramão, o que tais “Conglomerados Empresariais Educacionais” fazem não é apenas cortar custos — isso seria uma visão simplista — mas precarizar a relação de trabalho dos professores a ponto de estes terem uma qualificação cada vez mais deficitária e derrubar constantemente seus ganhos remuneratórios. Basta dizer que se tornou comum que os discentes gravem vídeos que são utilizados reiteradamente, e muitas vezes tenham de ceder os direitos autorais sob pena de serem demitidos. Mas é lógico que uma IES para ser altamente lucrativa teria imensa dificuldade de se sustentar mantendo níveis relevantes de qualidade de educação, uma vez que nessas situações os superávits ou lucros precisam ser necessariamente reinvestidos na sua atividade fim, o que provavelmente prejudicaria consideravelmente sua distribuição de lucros aos seus sócios ou investidores.
Os Big Players Educacionais criaram um mito que não consegue se sustentar. Segundo o qual aumentaram o acesso ao ensino superior aos públicos C, D e E. Aqui, o FIES cai como uma luva para explicar o evento, haja vista que a política social de integração de alunos de baixa renda ao ensino superior foi utilizada amplamente pelos Conglomerados Empresariais Educacionais para engrossar suas fileiras de clientes ou, melhor dizendo, estudantes. Mas a pergunta que não é feita é: qual o serviço que esses estudantes de baixa renda, normalmente vindos de escolas públicas e os primeiros a cursarem graduação em suas respectivas famílias, conseguiram cursar? Realmente aprenderam as habilidades necessárias para o exercício da profissão? Ou seja, realmente foram formados para atuarem competentemente? Quantos estão realmente integrados ao mercado de trabalho ou em centros de pesquisa? Porque há tão poucas pesquisas com essas informações?
É nesse momento que se chega à pergunta que redefinirá a questão: “Qual papel o Ministério da Educação deve e quer ter nessas questões?”
Sinceramente, olhando o passado recente, seria mais fácil dizer que o capital financeiro continuará a explorar os sonhos dos estudantes mais pobres, anteriormente excluídos do ensino superior em razão dos custos que não conseguiam arcar, até que a curva de crescimento desse negócio deixe de ser interessante. Ou é possível acreditar que o Ministério da Educação exercerá o papel que é exigido dele e definirá os rumos da educação superior para as próximas décadas, desenvolvendo um plano de país e, sem uma lógica maniqueísta, permitindo que tais Conglomerados Empresariais Educacionais sigam na prestação de serviços, mas sob as regras da Administração Pública e respeitando os interesses do país.
Se forem realmente empresas de educação, permanecerão; se forem apenas empresas e que buscam remunerar seu capital da forma mais vantajosa possível, provavelmente seguirão outros caminhos. O que não pode, entretanto, ser perdido de vista é que a expansão e a qualidade do ensino superior devem caminhar de mãos dadas e, de outro lado, que o EaD é uma modalidade de ensino, um recurso a ser utilizado assim como a energia elétrica na sala de aula, mas nunca uma finalidade em si mesma. Já passou, e muito, da hora do MEC assumir controle regulatório e de supervisão dessa triste realidade, fomentar os melhores programas educacionais para graduação, pós-graduação e em pesquisas.
Encerrando, o processualista brasileiro Fredie Didier, em uma de suas aulas, fez uma observação segundo a qual o Direito muitas vezes parece mágica; duas pessoas solteiras perante a autoridade competente ouvem e falam as palavras exigidas pelo rito e “puf”, deixam o status atual e criam um novo, são casadas. O Ministério da Educação tem esse poder nas mãos, não para exorbitar, mas para direcionar e realmente proteger os estudantes e o Brasil de pseudo-educadores.
Dyogo Patriota, assessor jurídico da ABRUC
Foto de capa: Freepik
Fonte: Monitor Mercantil