Luiz Curi questiona portaria de ministro de Bolsonaro que autorizou cursos a preencherem até 40% da carga horária com EAD; nova resolução vai na contramão
Novo presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), o sociólogo Luiz Curi afirmou à Folha que é contrário à autorização, atualmente em vigor, para que faculdades presenciais preencham até 40% da carga horária com ensino a distância (EAD).
Uma nova resolução para o uso de tecnologias da informação e comunicação no ensino superior, aprovada pelo CNE, foi enviada ao MEC e aguarda homologação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O documento vai na contramão desse mix de faculdade presencial com EAD autorizado em 2019 pelo então ministro bolsonarista Abraham Weintraub.
A resolução determina que as atividades educacionais híbridas, ou seja, aquelas que mesclam o presencial e o remoto, devem acontecer “nas instalações da instituição”.
Em outras palavras, estabelece que estudantes e professores estejam no prédio da faculdade, em salas de aulas ou outros espaços, como laboratórios, e que possam utilizar as tecnologias em novas práticas pedagógicas, inclusive para se conectar remotamente com outras instituições. A resolução defende que essa conexão pode colocar os alunos em contato com ambientes externos ao da faculdade para aulas, palestras, seminários e intercâmbios, entre outras atividades.
Textualmente, o documento afirma que o processo híbrido “não se confunde com a estrutura de cursos ofertados na modalidade EAD” e que as atividades devem se dar “a partir do espaço físico da instituição de ensino superior”, sem “serem confundidas com percentuais de atividades na modalidade EAD em cursos superiores”.
A liberação do governo Bolsonaro para que as faculdades presenciais preenchessem 40% da carga horária com EAD era uma demanda do ensino superior privado. Com isso, os quadros de professores podem ser reduzidos, assim como custos com imóveis.
Em dezembro de 2018, no final do governo Temer, Rossieli Soares, então ministro da Educação, havia assinado uma portaria de determinava o limite de 20% de EAD para graduações presenciais, podendo ser ampliado para 40% no caso de instituições que tivessem conceito 4 ou 5 no MEC, considerados de excelência, e que já oferecessem o mesmo curso em formato EAD como com esses mesmos conceitos.
Weintraub revogou essa portaria e liberou 40% de EAD para todas as faculdades (exceto para cursos de medicina), independentemente da qualidade do ensino.
“Isso é domiciliarizar a educação presencial”, disse à Folha o presidente do CNE, órgão que auxilia o MEC na formulação de políticas públicas e diretrizes da educação. “Não achamos isso bom porque prejudica as metodologias presenciais, tira o estudante da instituição de ensino feito uma rolha da garrafa”, critica.
Luiz Curi é um dos relatores do parecer da nova resolução do ensino superior híbrido. Em novembro, ele foi eleito pelos conselheiros do CNE o presidente do órgão. Segundo o sociólogo, “a nova resolução vai em outro caminho, o de inserir tecnologias sem retirar o estudante e o professor do ambiente institucional presencial”.
“Tratamos o hibridismo de outra forma, que prevê aprendizagem com práticas flexíveis e diversificadas”, diz. “Ensino híbrido não é essa mistura do EAD com o presencial, que é péssima, desqualifica ambas as modalidades”, acrescenta. “Um curso presencial com 40% de EAD desagrada todo mundo, tanto o estudante que quer ficar em casa quanto aquele que prefere estar na faculdade. É ruim para todos os lados.”
Crescimento do EaD
O número de ingressantes no ensino superior brasileiro foi maior que o no presencial no Brasil em 2020. Em 2021, 62,8% das matrículas foram em cursos EAD, sendo que, dez anos atrás, em 2011, representavam 18,4% do total.
Além desse crescimento, também impulsionado pela pandemia, a autorização do governo Bolsonaro para a carga horária EAD em cursos presenciais fomentou um novo nicho de mercado, o das chamadas faculdades semipresenciais. A denominação é usada tanto para os cursos EAD com algumas atividades presenciais quanto para os presenciais com parte da carga horária a distância. A depender da estratégia de marketing, o mesmo curso pode ser chamado de presencial, EAD ou semipresencial.
Curi afirmou à Folha ver “com preocupação” todo esse avanço. Ele, no entanto, aponta que o EAD tem um papel importante para ampliar o acesso dos brasileiros ao ensino superior.
“Na população brasileira de 18 a 24 anos, temos apenas 19,7% matriculados no ensino superior, e a meta do Plano Nacional da Educação é de 33% até 2024. Precisamos de mais estudantes. Criticar o EAD pelas matrículas seria uma contrariedade.”
Segundo ele, o EAD tem o papel de descentralizar a oferta do ensino superior no país. “As matrículas são concentradas no Sul, Sudeste e Nordeste. O Norte tem apenas 8%, e o Centro-Oeste, 7%. Isso não é razoável e tende a mudar com o EAD.”
Curi também afirma que o ensino a distância é mais acessível para quem trabalha. “As matrículas nos cursos noturnos vêm caindo. Em 2016, eram 3,9 milhões, hoje são 2,8 milhões”, diz. “Com o EAD, o aluno não perde tempo com o deslocamento.”
A qualidade de ensino do EAD, no entanto, se mostra inferior à das faculdades presenciais.
Em 2021, no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), que avalia formandos de graduação, 6,2% dos cursos presenciais obtiveram a nota máxima (5), enquanto, no caso dos remotos, foram 2,3%. Além disso, quase metade (47,8%) dos cursos EAD tiveram um desempenho abaixo do mínimo exigido pelo MEC (tiraram notas 1 e 2), enquanto, no caso dos presenciais, foram 30,9%.
Curi afirma que “a legislação precisa garantir a qualidade, e não apenas a expansão”. “Se há falhas no EAD, elas precisam ser mensuradas e corrigidas. Eventualmente, por exemplo, um curso a distância poderia ser mais longo do que o presencial.”
Fonte: Folha de S.Paulo